«O Brasil como problema». Darcy Ribeiro, 1995

(…) Vivemos, nós brasileiros, uma conjuntura trágica. 0 próprio destino nacional está em causa e é objeto de preocupação da cidadania mais lúcida e responsável. O aspecto mais grave e inquietante da crise que atravessamos é de natureza política. Frente a ela, as diretrizes econômicas, postas em prática por sucessivos governos, se caracterizam por uma incrível teimosia na manutenção de uma institucionalidade fundiária que condena o povo ao desemprego e à fome, pela mais crua insensibilidade social, por um servilismo vexatório diante de interesses alheios e pela mais irresponsável predisposição a alienar as principais peças constitutivas do patrimônio nacional.

Dizem, também, que nosso território é pobre – uma balela.
Repetem, incansáveis, que nossa sociedade tradicional
era muito atrasada – outra balela. Produzimos, no período colonial,
muito mais riqueza de exportação que a América do Norte
e edificamos cidades majestosas corno o Rio, a Bahia,
Recife, Olinda, Ouro Preto, que eles jamais conheceram.

Outra característica é sua animosidade frente ao Estado, visto como a fonte de todos os males. Será assim? Onde, nesse mundo, uma economia nacional floresceu sem um Estado que a conduzisse a metas prescritas? Onde estão esses empreendedores privados cuja sanha de lucrar promoveria o progresso nacional? Crerão esses fanáticos do neoliberalismo que o estado gerencial das multinacionais – que são entre nós o setor predominante das classes empresariais -se comove pelo destino nacional?

O que cumpre fazer em nosso País não é nenhuma modernização reflexa, dessas que atualizam um sistema produtivo apenas para fazê-lo mais eficaz no papel de provedor ele bens para o mercado mundial. É, isto sim, um salto evolutivo à condição de economia autônoma que exista e viva para si mesma, isto é, para seu povo. Para tanto, temos é que nos associar aos outros povos explorados, para denunciar e por um termo à ordem econômica vigente que faz os povos pobres custearem a prosperidade dos povos ricos através de um intercâmbio internacional gritantemente desigual.

Sobre essas bases é que se tem, necessariamente, de formular nosso projeto próprio de integração do Brasil na civilização pós-industrial, sempre atentos aos interesses nacionais, priorizando sempre o desenvolvimento social, ou seja, os interesses populares. A via da modernização reflexa pelo desenvolvimento dependente só nos faria fracassar na civilização emergente, tal como fracassamos ao tios integrarmos, por este mesmo caminho, à civilização industrial.

Só nós brasileiros, podemos definir esse projeto do Brasil que que ser. Não será, obviamente, o Brasil desejado pela minoria próspera que esta contentíssima com o Brasil tal qual é, e que só quer mais do que já tem. Mas o Brasil dos explorados e oprimidos que o modelo econômico vigente já levou a níveis incomprimíveis de miséria e desespero.